Autora: Bárbara Mangiaterra (*)
Há pouco menos de uma década as maiores preocupações do consumidor de hortifrúti no Brasil eram quanto ao ponto de maturação, aspecto e sabor, todos atributos básicos do produto. As redes varejistas se preocuparam em trazer a “feira para dentro do supermercado”, tornando seus setores de FLV [N.R.: frutas, legumes e verduras] atrativos. Esse setor é um dos grandes responsáveis por manter uma frequência de visitas às lojas e recebe atenção especial pelo resultado que gera e também pelas grandes perdas.
Ao longo da última década, o consumidor se mostrou cada vez mais preocupado com o que estava comendo. O que há por trás de um morango? Essa pergunta logo foi respondida pelo programa PARA [N.R.: Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos] da Anvisa, que preconiza a realização de análises de resíduos de defensivos em hortifrúti. À semelhança do PARA, com o intuito de monitorar os produtos comprados, as redes supermercadistas, através de sua principal associação, criaram o RAMA [N.R.: programa de rastreabilidade e monitoramento de frutas, legumes e verduras desenvolvido pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS)].
A confiança em um produto está bastante relacionada com o conhecimento de sua origem. Normalmente, produtos sem identidade não geram confiança no consumidor. Em uma internet com imagens de hortifrúti e caveiras coexistindo, para defender um setor tão importante como o FLV, as redes varejistas inovaram solicitando de seus fornecedores a colocação de códigos QR nos produtos embalados e nas caixas a granel, com o intuito de mostrar ao consumidor a origem dos produtos e trazer a confiança necessária para dar sustentabilidade à compra. Além disso, as redes com maior volume de compra passaram a realizar auditorias de qualidade e segurança de alimentos em seus fornecedores, por meio de equipe interna ou de certificadora subcontratada.
Toda essa movimentação de quem responde por mais da metade do volume de FLV comercializado no Brasil promoveu uma grande seleção de fornecedores “adequados”. O que ocorreu com os pequenos produtores? Por dificuldade de acesso à informação necessária para promover as adequações básicas, dificuldades financeiras para contratar profissionais especializados e entraves logísticos, deixaram de ser fornecedores credenciados? Boa parte deles continua fornecendo por intermédio dos credenciados. São parceiros, meeiros, fornecedores dos fornecedores dos fornecedores. São Marias, Josés e outros tantos que deixaram de aparecer.
Nos últimos dois anos, a rastreabilidade de FLV se tornou legislação específica, lavrada em conjunto pelo MAPA e pela ANVISA. O desafio agora é enorme. Como conhecer de fato a cadeia de fornecimento de FLV das redes varejistas? Como demonstrar a conformidade destes fornecedores e de seus subcontratados em um mundo onde o compliance tem norma própria da família ISO? Como adequar os pequenos produtores que respondem por mais de 70% do hortifrúti produzido? Como fazer com que não desistam de produzir? Como convencer seus filhos a continuarem produzindo nossa comida?
Sistemas de rastreabilidade com elevado custo, auditorias que confirmam não conformidades óbvias, análises de resíduos que mostram principalmente que não existe suporte fitossanitário para as culturas de baixo interesse econômico em termos de produção. Assim, cada vez mais um nome carrega outros tantos e cada vez menos conhecemos de fato a cadeia de FLV.
Oferecer métodos de rastreabilidade acessíveis, informações claras para adequações, solicitação de extensão de uso de defensivos para culturas análogas – essas são as principais soluções.
(*) Bárbara Mangiaterra é especialista em consultoria para agronegócio e CEO da CompartVeg, empresa que conta com uma equipe de especialistas em diferentes cidades que capacitam, fazem auditorias e promovem consultorias para pequenos, médios e grandes produtores.