28/01/2015 – Esalq/USP
Espécie encontra-se ameaçada de extinção pela exploração predatória de palmito e atualmente tem sido manejada para obtenção de frutos que rendem polpa semelhante ao do açaí.
As questões sobre a compatibilidade do desenvolvimento socioeconômico e a conservação da biodiversidade nas regiões tropicais tem sido um dos grandes desafios da humanidade. Assim, para alavancar a conservação e a recuperação da palmeira-juçara (Euterpe edulis) e, ao mesmo tempo, trazer melhoria dos meios de vida das populações humanas das regiões de Mata Atlântica, uma pesquisa foi desenvolvida na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/Esalq), pelo doutorando do programa de pós-graduação (PPG) em Recursos Florestais, Saulo Eduardo Xavier Franco de Souza. A orientação foi do professor Edson José Vidal da Silva, do Departamento de Ciências Florestais (LCF).
A juçara é uma espécie muito importante ecologicamente, culturalmente e economicamente. A polpa de seus frutos é semelhante à do açaí amazônico e sua produção tem sido realizada em diversas localidades do sul e sudeste brasileiro na última década. O uso dos frutos valoriza a sobrevivência das palmeiras. Já o corte de palmito, inevitavelmente, aumenta a mortalidade. Além disso, as sementes geradas do processo de beneficiamento são aptas a germinar, possibilitando a recuperação da espécie. “O manejo da juçara para frutos, pode representar uma oportunidade de trabalho e renda para as comunidades rurais, bem como estimular a sobrevivência e recuperação da espécie”, explicou o doutorando.
Para a realização da pesquisa, que teve início em 2011, Souza estudou iniciativas de produção de polpa da juçara por quatro comunidades situadas no entorno e interior do Parque Estadual da Serra do Mar, núcleos Santa Virgínia e Picinguaba, nos municípios de Natividade da Serra e Ubatuba (SP). “Foram selecionadas as comunidades da Vargem Grande, Sertão do Ubatumirim, Sertão da Fazenda e Cambury, pois estão engajadas por mais tempo na produção de polpa”, destacou o pesquisador.
A pesquisa foi conduzida, principalmente, por meio de entrevistas com os comunitários e monitoramento da produção de frutos e da dinâmica populacional em parcelas permanentes instaladas em áreas manejadas pelas comunidades e não manejadas no interior do parque, que totalizaram 1,9 hectares. Essas parcelas também foram utilizadas para amostrar a diversidade de árvores, para que pudesse avaliar a complementaridade dessas áreas para a conservação de outras espécies também. O estudo abrangeu os principais tipos de vegetação onde a juçara é manejada – florestas secundárias e sistemas agroflorestais. “Essas áreas recebem diferentes níveis de intensidade de manejo agroflorestal. Além disso, a amostragem também representou três faixas de altitude da Serra do Mar, Terras Baixas (até 50 m), Submontana (50-500) e Montana (500-1500)”, ilustrou Souza.
Principais resultados – O pesquisador ressaltou que a colheita dos frutos é feita de forma não destrutiva e após a colheita ainda sobram cerca de 70% dos cachos na área. Cada grupo colhe frutos de 10-30 palmeiras por dia, o que rende, em média, 87 Kg de frutos e 45l de polpa. “A quantidade de frutos restantes sugere que a atividade não prejudica a fauna que depende dos frutos, apesar de ainda ser necessário aprofundar essa questão”, lembrou o pesquisador. Observou-se, ainda, que o novo sistema de manejo da juçara pode contribuir com o fortalecimento comunitário a partir da diversificação da produção familiar e aumento de renda.
Para o pesquisador, um dos desafios para a sustentabilidade do manejo de espécies nativas consiste em garantir a reprodução da espécie enquanto produz e comercializa. “Acompanhamos 712 palmeiras por três anos e verificamos que os adultos produtivos rendem, em média, 5,6 Kg de frutos por ano, chegando a 21 Kg por palmeira. Também registramos a maior média do número de cachos por palmeira já observada para a espécie (3,1), bem como um padrão de redução deste número conforme aumenta a altitude”, destacou o agrônomo.
Por fim, foram verificadas as tendências demográficas da juçara por meio de modelos matriciais. A maioria das populações tende à estabilidade nos próximos 100 anos, mas aquelas que morreram mais adultas podem reduzir até 3% ao ano. “As análises demostraram a importância da sobrevivência de adultos para a viabilidade populacional em longo prazo. Simulações estocásticas do aumento da taxa de colheita de frutos (até 100%) demonstraram não afetar significativamente a taxa de crescimento populacional. Dessa forma, a colheita de frutos juçara alinha-se com a principal estratégia de manejo recomendada para a saúde das populações da espécie: o estímulo à sobrevivência das palmeiras adultas” reforça.
Antes de finalizar, Souza comentou que há menos de um ano foi editada uma resolução estadual para regulamentar o manejo de espécies nativas da Mata Atlântica (Res. SMA 14/2014). A juçara foi à primeira espécie contemplada com regras específicas em anexo a esta resolução, desta vez regulamentando o uso de frutos, sementes e mudas, além do palmito. “As experiências da Serra do Mar foram determinantes para tal. Assim, esta pesquisa sobre os sistemas de manejo de juçara na Serra do Mar se conclui em momento oportuno para ampliar a discussão com a sociedade sobre manejo sustentável na Mata Atlântica”, concluiu o pesquisador.
Foto: Saulo Souza