18/03/2011 – Esalq
O Brasil é um país pródigo em biodiversidade frutífera. A riqueza em variedades de frutas permite inúmeras explorações nesta área, redescobrindo espécies nativas e repaginando formas de utilização. Uma dessas variedades, com baixo valor calórico e altos teores de fibras, bem como de cálcio, magnésio e potássio, foi alvo de pesquisa na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/ESALQ) e parte do Projeto FAPESP 2008/55491-0, não só pelo seu valor nutricional, mas também, pelo valor histórico-cultural que representa para determinada região do estado de São Paulo.
Vários foram os objetivos da pesquisa orientada pela professora Marta Helena Fillet Spoto em torno Jaracatia spinosa (Aubl) A. DC, árvore originária do bioma da Mata Atlântica em risco de extinção em muitos estados brasileiros, cujo fruto e látex são utilizados pelos indígenas para fins medicinais. Seu fruto, o jaracatiá, foi primeiramente caracterizado in natura para desenvolver o Doce de jaracatiá em calda, nomenclatura estabelecida pela ANVISA, a partir de duas variáveis, fruta in natura e fruta congelada a ser produzida na Planta de Processamento de Alimentos do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN), verificando sua estabilidade através de parâmetros microbiológicos, físicos, químicos e sensoriais pelo período de 1, 30, 60 e 90 dias.
“Algumas frutas são verdadeiras iguarias gastronômicas por suas características exóticas, fornecendo produtos de sabor único, muito apreciadas pelos gourmets e que poderiam ser requisitadas pela alta gastronomia como componente a ser combinado com outros alimentos, ou como objeto único de apreciação. O jaracatiá é uma delas”, analisa Evanilda Teresinha Perissinotto Prospero, em sua dissertação apresentada no programa de pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos.
O segundo objetivo do trabalho foi desenvolver o Doce de jaracatiá em calda da fruta in natura e fruta congelada, verificando-se sua estabilidade no período de 90 dias. Um terceiro objetivo, foi oportunizar espaço para comercialização da fruta e doce como produtos ecogastronômicos definidos pela Slow Food Internacional e que a fruta, através da tradição de seu doce em calda, pudesse promover sustentabilidade para as comunidades e o ecossistema no qual está inserida.
A fruta e o doce na forma de compota do jaracatiá, tradicionais da cidade de São Pedro, apresentavam-se em risco de extinção há 15 anos e, com o envelhecimento das doceiras antigas que dominavam a técnica, o doce parou de ser confeccionado. As árvores nativas, devido à expansão urbana, tornaram-se esparsas no entorno da cidade, correndo o risco de desaparecer, ressalta a pesquisadora.
A pesquisa também destaca que a agroindústria de pequeno porte ou agroindústria artesanal representa para comunidades, grupos ou cooperativas, uma forma de extensão da renda das famílias, uma forma de utilizar os recursos disponíveis a sua volta, atuando em um conceito de agricultura multifuncional onde seus atores possuem diversas funções, inclusive a de processar os alimentos produzidos ou que podem ser extraídos da natureza com sustentabilidade. Possibilitar abertura de um mercado que favoreça a cidade de São Pedro, os municípios vizinhos e outras regiões de mesmo ecossistema, pode revigorar o plantio da árvore no seu habitat natural e proteger a biodiversidade, analisa Evanilda.
Metodologia
A fruta in natura do Jaracatiá spinosa foi analisada a partir das amostras das regiões de São Pedro, Brotas e Santa Maria da Serra quanto ao peso, medida, densidade, textura, cor da casca e da polpa, atividade de água; pH, teor de sólidos solúveis, acidez titulável, carotenóides, ácido ascórbico, açúcares totais e redutores, fibras solúveis e insolúveis, minerais; umidade, cinzas, proteínas, lipídeos, carboidratos, valor calórico total. Para avaliação da estabilidade do doce realizaram-se análises de pH, acidez titulável, teor de sólidos solúveis, atividade de água e cor; microbiológicas (bolores e leveduras); e sensoriais (aparência, odor, sabor, textura, intenção de compra). Os parâmetros avaliados puderam caracterizar as frutas de cada região. Assim, entre as regiões de coleta, as frutas de Brotas se diferenciam das demais regiões pela textura e maior comprimento, as frutas de São Pedro são mais coloridas e as de Santa Maria da Serra se destacam por apresentarem uma fruta mais doce e com mais vitamina C. A análise sensorial do doce de jaracatiá em calda mostrou a preferência do produto para as amostras de Brotas e São Pedro, por serem frutas em maior grau de maturação. Houve 100% de aceitabilidade do doce processado para fruta in natura como para fruta congelada.
Ainda, o Projeto FAPESP inclui a elaboração de um DVD técnico com as etapas do processamento térmico do Doce de Jaracatiá em Calda e um DVD com documentário histórico-cultural da árvore e da fruta. O projeto também aborda a utilização dos resíduos, sementes e mucilagem, de onde se pode extrair o óleo e fibras, que são descartados no processamento do produto.
Alicia Nascimento Aguiar
Analista de Comunicação
alicia@esalq.usp.br