Fonte: Diário da Saúde (12/12/2018) – com informações da Agência Fapesp
Pesquisadores do Instituto Butantan, na cidade de São Paulo, descobriram que uma substância presente em diversas plantas e alimentos protege contra os problemas de sangramento e de inflamação decorrentes da ação do veneno da jararaca (Bothrops jararaca), que responde por cerca de 70% dos acidentes com serpentes peçonhentas.
A substância é a rutina, um flavonoide que funciona como pigmento em diversos vegetais e frutas, conferindo-lhes cores vibrantes. É encontrada em frutas cítricas, uvas (e também no vinho), maçã, caqui, figo, morango, amora, cereja e framboesa e ainda em hortaliças como pimentão e pimenta dedo-de-moça. Também são ricos em rutina o trigo sarraceno e os chás preto e verde. Nas plantas, esses pigmentos ajudam a atrair insetos polinizadores, filtrar raios ultravioleta do Sol e fixar nitrogênio, entre outras ações.
Os flavonoides também têm poderes antioxidantes, além de participar nos mecanismos de defesa, ajudando a prevenir ataques de insetos e micróbios. No caso específico da rutina, trata-se de um flavonoide conhecido por seu alto poder antioxidante e anti-inflamatório.
Os soros antiofídicos tratam as principais manifestações dos envenenamentos por picadas de serpentes, mas não existem terapias conhecidas eficazes contra complicações secundárias comuns. Toxinas presentes no veneno da jararaca podem desencadear sangramento, alterar as reações de oxirredução – produção de energia elétrica a partir da ocorrência de oxidação e redução de espécies químicas – nas células e inibir a capacidade do corpo de parar o sangramento.
“Os mecanismos de complicações clínicas em pacientes picados por jararaca ainda não são bem compreendidos e a terapia com antiveneno é limitada em sua capacidade de tratar toda a gama de complicações que podem ocorrer após uma picada de serpente. No organismo de quem é picado, o veneno de jararaca aumenta a atividade do fator tissular, substância presente nos tecidos e no interior dos monócitos e plaquetas do sangue e que tem um papel fundamental no processo de coagulação”, explicou o pesquisador Marcelo Larami Santoro, que fez a descoberta em conjunto com seus colegas Ana Teresa Azevedo Sachetto e Jaqueline Gomes Rosa.
Fator tissular
O fator tissular é ativado mediante a exposição dos tecidos, como em cortes ou machucados. É quando o fator tissular age para propiciar a coagulação do sangue no local do ferimento. Já nos casos de envenenamento, o fator tissular é ativado mesmo na ausência de qualquer ferida. Quando isso ocorre, no interior dos vasos sanguíneos começa a formação de coágulos, que prejudicam a circulação e acabam por se tornar tromboses, que efetivamente bloqueiam os vasos causando necrose nos tecidos.
Daí que reduzir a atividade do fator tissular, fazendo-o retornar à sua condição original, seria um caminho para uma importante complicação secundária do envenenamento que é a formação de coágulos sanguíneos. “O envenenamento não aumenta necessariamente o fator tissular, ele aumenta a atividade do fator tissular,” disse Santoro.
Uma enzima chamada PDI controla a atividade do fator tissular. Da mesma forma, a rutina tem o poder de inibir a ação da PDI.
De acordo com o pesquisador, futuros estudos serão necessários para compreender a atividade da rutina, uma vez que o veneno tenha iniciado eventos fisiopatológicos, bem como os efeitos terapêuticos da rutina administrada junto com o antiveneno.
“A pesquisa sugere que a rutina tem grande potencial como uma droga auxiliar em conjunto com a terapia antiveneno para tratar picada de cobra, particularmente em países onde a disponibilidade de antiveneno é escassa”, disse Santoro.