O Eng. Agro Alfredo Kingo Oyama Homma, mestre e doutor em Economia Rural e profundo conhecedor das culturas nativas da Amazônia, analisa, na entrevista publicada a seguir, a atual situação da castanha-do-brasil ou castanha-do-pará e suas perspectivas. Ele ingressou em 1976 na Embrapa Amazônia Oriental, com sede em Belém, PA, onde tem-se dedicado à questão ambiental da região, trabalhando com extrativismo vegetal e animal e desenvolvimento agrícola. É autor de 300 trabalhos sobre a Amazônia, entre livros, artigos científicos nacionais e internacionais, capítulos de livros e artigos de revistas e jornais. É assessor científico da Revista Brasileira de Economia e Sociologia Rural e membro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. E coordena várias pesquisas, dentre as quais: identificação e caracterização de sistemas agroflorestais desenvolvidos por produtores nipobrasileiros em Tomé-Açu, PA; identificação de sistemas de manejo de bacurizais nativos como alternativa econômica para as áreas degradadas do estado do Pará; e análise socioeconômica do manejo de bacurizais nativos como alternativa econômica para a Ilha de Marajó e o Nordeste Paraense.
Equite TODAFRUTA – Para memorização pelos leitores, faça uma breve descrição da castanha-do-brasil.
ALFREDO HOMMA – A castanheira-do-pará é uma espécie arbórea também conhecida internacionalmente pelo nome de “brazil nut” (castanha-do-brasil) e cientificamente pela denominação de Bertholletia excelsa. A planta nativa existe unicamente na Amazônia (com destaque para o Brasil, a Bolívia e o Peru), onde chega a alcançar até 50 metros de altura. Produz um fruto de casca dura vulgarmente conhecido pelo nome de ouriço, dentro do qual encontram-se de 12 a 24 sementes, nas quais estão contidas as amêndoas comestíveis. O peso do ouriço pode alcançar até 2,5 kg. A copa é exuberante e possui a forma de um rim, dai ser ela classificada como reniforme. O caule é vigoroso, produzindo madeira de excelente qualidade para diversas finalidades, sendo classificada como madeira-de-lei. Sua derrubada é proibida por lei para evitar a sua extinção. É uma planta de difícil expansão natural, pois as sementes, no solo florestal, quando ali raramente chegam levadas por roedores, apresentam baixa germinação. Além disso, as plântulas desenvolvem-se muito lentamente e dificilmente chegam à idade adulta, uma vez que a espécie desenvolve-se bem a pleno sol, não suportando normalmente a condição de sombreamento excessivo imposta pela exuberância da floresta densa, onde via de regra habita. É considerada uma planta secular, existindo exemplares que, segundo os cálculos dos botânicos, têm várias centenas de anos de idade.
TODAFRUTA – Qual a área ocupada pela castanha-do-brasil em um passado recente e atualmente? Quais os fatores que motivaram esta redução?
ALFREDO HOMMA – Pode-se especular que, no apogeu da coleta expedicionária da castanha, essa área foi de aproximadamente 1,5 milhão de hectares, produzindo um total de 54 milhões de litros ou aproximadamente 34 mil toneladas de castanha com casca. Com a técnica desenvolvida pela Embrapa Amazônia Oriental, é provável a obtenção média de 25 litros por árvore adulta. Além disso, com a redução da planta, o espaçamento de plantio passa a ser até de 10 m x 10 m, o que permitirá que se tenha 100 plantas por hectare. Assim, a produção por hectare deverá situar-se em 2.500 litros. Dessa maneira, serão necessários cerca de 20 mil hectares para se obter a produção alcançada no auge do extrativismo em 1,5 milhão de hectares.
TODAFRUTA – Por que o extrativismo declinou tanto?
ALFREDO HOMMA – A partir da década de 1970, os castanhais nativos passaram a ser vítimas sistemáticas das políticas de ocupação lançadas na região amazônica. A abertura de rodovias federais e estaduais, como a Transamazônica (BR 230), a Santarém-Cuiabá (BR 163), a Cuiabá-Porto Velho (BR 364), a Manaus-Porto Velho (BR 319), a Manaus-Boa Vista (BR 174) e a PA 150, entre outras, permitiram o acesso a novas áreas de ocorrência de castanheiras e a sua ocupação. O fluxo migratório oficial e espontâneo de pequenos produtores, a expansão da pecuária, a extração madeireira, os projetos de mineração, entre outros, passaram a ocupar o espaço antes preenchido pelas castanheiras nativas. A produção de castanha-do-pará sempre dependeu da coleta nestes castanhais nativos, constituindo um produto que era exportado desde os tempos de Brasil Colônia, cujo comércio ampliou após a crise da borracha na década de 1920. Até a década de 1970, cerca de 80% da produção de castanha-do-pará eram destinados à exportação, volume este que vem sendo gradativamente reduzido. A atualmente é o inverso, a totalidade é destinada para o consumo doméstico. Não obstante, tanto o mercado doméstico como o externo apresentam grande potencial de crescimento, reprimidos pela reduzida capacidade de oferta do setor extrativo e da falta de produção em áreas cultivadas.
TODAFRUTA – No modelo atual de exploração da castanha-do-brasil, como os frutos são processados?
ALFREDO HOMMA – Anualmente, via de regra, nos meses de dezembro a maio, período das chuvas mais fortes na região, os ouriços caem. São, então, recolhidos do chão pelos coletores ou castanheiros, que, no castanhal mesmo, efetuam a quebra dos ouriços para a retirada das sementes. Um castanheiro adestrado pode juntar, diariamente, de 700 a 800 ouriços, o que pode gerar a produção de 2 hectolitros de castanha com casca, rendimento que, mesmo nos castanhais mais produtivos, deve ser considerado muito bom, pois o afastamento das árvores faz com que se perca muito tempo em longas caminhadas num terreno naturalmente hostil. Os ouriços são transportados nas costas em jamaxim (cesto adaptado para transporte). O castanheiro apanha os ouriços com uma vara com três pontas ou com a ponta do terçado e os atira no cesto. Os ouriços coletados são amontoados em determinado ponto estratégico da floresta, onde é efetuado o corte para a retirada das amêndoas e o seu transporte. Um ouriço pode pesar de 0,50 kg a 2,50 kg, com diâmetro de 8 cm a 15 cm, contendo de 12 a 25 castanhas. Um hectolitro corresponde em média a 50 kg a 60 kg de castanha com casca. O rendimento médio de um castanhal situa-se entre 0,25 a 0,41 hl ou 25 a 35 kg de castanha com casca, correspondendo a 7 a 11 kg de amêndoas por hectare. Dependendo do local, a densidade de castanheiras varia de 33 a 107 castanheiras adultas em 50 ha, mas apresenta grande variação. No processo de beneficiamento de castanha-do-pará, após o recebimento do produto em sacos de polietileno com capacidade para cinco latas, equivalentes a um hectolitro, que são transportadas em caminhões ou barcos de locais distantes. Devido a linhas de navegação, muitas vezes há necessidade de efetuar transbordo entre embarcações. No porto, os sacos são retirados dos barcos e passam para o caminhão que os leva até as fábricas de beneficiamento, onde as castanhas são estocadas para permitir que estas funcionem maior número de meses. A obtenção de castanha e a capacidade de estocagem exigem grande capital de giro, sem o qual não será possível armazenar quantidade satisfatória para a capacidade da fábrica. Quanto ao processo de beneficiamento, é complexo e não compensa discutir nesta entrevista.
TODAFRUTA – Quais os cuidados na colheita em uma planta que chega a alcançar de 30 a 50 metros de altura?
ALFREDO HOMMA – O risco decorrente da queda de frutos tem restringido o seu plantio como árvore de quintal nas proximidades de residências. Contudo não é o risco da queda de frutos que tem restringido o domínio da oferta extrativa. O longo tempo para a entrada da frutificação, os tratos culturais até a consolidação da planta, o retorno do capital investido no plantio, o risco de entrada de fogo acidental, de eventos exógenos de longo prazo e a insegurança fundiária e patrimonial levaram à perda de alguns destes plantios pioneiros.
TODAFRUTA – Por que perdemos a hegemonia da cultura para a Bolívia?
ALFREDO HOMMA – Com a contínua destruição das áreas de castanhais nativos na Amazônia brasileira, ocorreu a incorporação dos estoques de castanheiras da Bolívia e a drenagem de parte da produção acreana para este país, verificada a partir dos primeiros anos do século XXI. A Bolívia adotou modernos sistemas de beneficiamento e comercialização das castanhas, passando a dominar o mercado mundial deste produto. A forte pressão do mercado europeu com relação ao controle fitossanitário para aflatoxina, desencadeado a partir de 2001, com a devolução de 466.217 kg exportados pelos portos paraenses de Belém e Santarém por cinco países – Alemanha, Itália, França, Holanda e Inglaterra – despertou suspeita internacional quanto à sanidade da castanha-do-pará brasileira, acarretando grandes prejuízos ao país. Consequentemente, ocorreu o declínio das exportações brasileiras, o fechamento de várias unidades de beneficiamento tradicionais e o surgimento de novos beneficiadores, muitos deles como resultado das políticas ambientais do governo brasileiro. A contínua redução da safra de castanha brasileira e a sua pulverização fizeram com que a Bolívia se tornasse o maior importador da castanha brasileira com casca.
TODAFRUTA – Após colhido os frutos, como estes deveriam ser processados?
ALFREDO HOMMA – Os extratores efetuam a coleta e a quebra dos ouriços, liberando as amêndoas, que são amontoadas na floresta, sujeitas a intempéries da natureza. O armazenamento para o embarque e o transporte constituem etapas que podem prejudicar o produto e aumentar o risco de contaminação. Dessa forma, quando as castanhas chegam à usina de beneficiamento, são submetidas ao primeiro processo de limpeza, passando por uma peneira vibratória, com a finalidade de separar o pó que as acompanha, os talos centrais do interior do ouriço (umbigo) e as castanhas ocas, que representam cerca de 3% do seu peso total. Para a movimentação interna das castanhas, estas são transportadas em padiolas com capacidade de 2 hl.
A segunda etapa compreende outra peneira vibratória em um plano inclinado com furos com diferentes tamanhos procurando separar em castanhas pequenas (15%), médias (60%) e graúdas (20% a 25%). Quando as castanhas são uniformes, pode-se dispensar esta fase, daí a importância de se adquirir castanhas de boa qualidade. A qualidade apresenta variações entre diversos locais da Amazônia.
A terceira etapa do processo refere-se à secagem efetuada em cilindros giratórios por 8 horas, mediante injeção de ar quente, que trabalha continuamente, em três turnos, durante o período de beneficiamento. O tempo de secagem e o tipo de fornos utilizados constituem segredos de cada indústria. Após o processo de secagem, as castanhas são resfriadas por no mínimo 24 horas e armazenadas no chão, ficando prontas para serem submetidas ao banho de vapor.
A quarta etapa é o processo de cozimento em autoclave, na qual as castanhas recebem um banho de vapor, para permitir seu descascamento. A pressão e o tempo de cozimento, que varia de 6 a 22 segundos de banho de vapor, constituem outro segredo industrial, cujo resultado é o menor percentual possível de castanhas quebradas e amêndoas manchadas, entre outros defeitos. Se for exposta em demasia ao banho de vapor, a amêndoa tende a ficar amarelada devido à impregnação da cor da casca. Se cozinhar menos tempo, tende a quebrar. Ao final desta etapa, as castanhas são retiradas da autoclave com uma grande colher de madeira que lembra um remo, são colocadas ainda fumegantes em um carrinho para a distribuição entre as quebradeiras em caixas localizadas no centro da mesa de quebrar.
O quinto passo é o descascamento das castanhas, que devem ser levadas ainda quentes para as mesas onde estão instaladas em série, dos dois lados, as máquinas de quebrar. Esta operação é executada predominantemente pelas mulheres, mas também por homens devido à falta de emprego. A sincronia do barulho dessas máquinas lembra o som das saúvas cortando as folhas, mas de forma amplificada, como autômatos. Colocam-se as cascas em um vasilhame no colo, as castanhas descascadas em outro e as defeituosas em uma vasilha menor, geralmente uma garrafa pet cortada. À medida que as castanhas vão se esgotando, novas partidas de castanhas cozidas são encaminhadas para esse processo. As cascas são coletadas e o vasilhame com castanhas é recolhido e pesado mesa por mesa, atribuindo-se prêmios de produtividade relacionada não só à produção, mas igualmente ao número de castanhas quebradas. A produtividade média de quebra de castanhas é de 30 a 32 kg por pessoa/dia. Normalmente, o rendimento é maior no período da manhã, caindo no período da tarde devido ao cansaço e ao esforço repetitivo. As cascas são guardadas em depósito próprio e utilizadas para alimentar a caldeira, porém uma parte vai para o lixo, embora uma parte destas assim como o pó separado na primeira etapa possam ser utilizados como adubo orgânico depois de devidamente curtidos.
O aspecto importante a mencionar são as conexões entre as diversas etapas, para que a quantidade de castanhas secas e cozidas, por envolverem tempos diferentes de processamento, estejam em sincronia com a velocidade de descascamento, caso contrário poderá ocorrer o colapso de matéria-prima destinada às quebradeiras, que envolvem maior contingente de mão de obra, redundando em prejuízos para a fábrica e os operários.
A sexta etapa compreende a classificação das castanhas que foram descascadas em uma mesa vibratória com plano inclinado, que são separadas em cinco categorias: “piolhos” (16 mm), média 1 (18 mm), média 2 (20 mm), grande (22 mm) e extra grande ou extra large (> 22 mm). Em termos de peso, dependendo do tipo da castanha, obtêm-se 59,21% de amêndoas médias, 31,29% de amêndoas grandes e 9,50% amêndoas de quebradas. As castanhas grandes e extra large apresentam grande valor e são altamente procuradas, sem problemas de comercialização. Essa classificação é feita duas vezes por dia, no final do período da manhã e à tarde, pois é necessária uma quantidade mínima para realizá-la. A partir da pesagem das castanhas das mesas das quebradeiras e durante a sua classificação, faz-se a separação das castanhas inteiras das defeituosas e quebradas, e são cortadas com uma pequena faca as partes defeituosas das castanhas inteiras, então transformadas em quebradas.
A sétima etapa consiste na colocação das castanhas descascadas e classificadas em bandejas com bordas de madeira e telas de plásticos na parte inferior, as quais são empilhadas e colocadas em estufas, para a retirada de umidade, nas quais permanecem por cerca de 72 horas. As estufas são secadores aquecida com ar quente e ventilada de forma a manter a temperatura entre 50o C a 55o C, para secar as amêndoas e com cuidado para evitar temperaturas elevadas o que faz a amêndoa “suar” óleo, levando a “rançar”, apresentando cheiro e gosto desagradáveis. Existem dois tipos de bandeja para a secagem de castanha, uma com capacidade de 20 kg, para as castanhas pequenas e médias, outra com capacidade de 10 kg, para as castanhas grandes e extra grandes, cujo tempo de secagem é maior, pois possuem maior quantidade de água. Em geral, as castanhas entram nas estufas com 17% de umidade e saem com 7%. O procedimentode secagem varia de indústria para indústria e também tem seus segredos, visando a obter produto de melhor qualidade e conservação e prevenir a perda excessiva de peso.
A oitava etapa corresponde à classificação final, onde as amêndoas são manuseadas para retirada de películas remanescentes que ficam soltas ou aderidas a sua superfície após a secagem na estufa e a separação ou corte das castanhas que apresentam partes defeituosas. Uma parte da película fica aderida à amêndoa, o que lhe confere a imagem bastante conhecida. As amêndoas são colocadas em sacos aluminizados no interior de caixas de papelão, pesadas com 20 kg e a seguir fechadas a vácuo. Os sacos fechados a vácuo são deixados em um estrado por dois a três dias para que se verifique se houve entrada de ar neles. Caso não tenha ocorrido entrada de ar, as caixas de papelão são fechadas e lacradas com fita gomada e estão prontas para o embarque.
TODAFRUTA – Como deveria ser a exploração da castanha-do-brasil, em um modelo mais tecnificado?
ALFREDO HOMMA – Não tenho nada contra o extrativismo da castanha-do-pará. Mas, no contexto de médio e longo prazo, precisamos plantar castanheiras. A oferta extrativa já chegou ao seu limite de oferta e está sendo decrescente ao longo do tempo. O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651, 25/05/2012), ao determinar a recomposição das Áreas de Reserva Legal (ARL) e de Preservação Permanente (APP), permite a incorporação da castanheira para promover a reconversão de ecossistemas destruídos, aproveitando uma área passiva, redundando no longo prazo em um extrativismo domesticado. A grande questão refere-se à economicidade do plantio de castanheiras pé franco ou enxertadas em monocultivos ou em Sistemas Agroflorestais (SAFs). Depreende-se que os SAFs utilizados pelos colonos nipoparaenses em Tomé-Açu constitui a opção mais apropriada para o plantio de castanheiras, evidenciada na avaliação realizada na Fazenda Aruanã, em Itacoatiara, AM, que se constitui no maior plantio em monocultivo existente. O tempo exigido para o retorno do capital no plantio de castanheira em monocultivo foi estimado em 27 anos, o que desestimula os agricultores.
TODAFRUTA – Existem cooperativas eficientes na organização dos trabalhos com a planta?
ALFREDO HOMMA – Os pequenos produtores conseguiram um grande avanço político, mas precisamos promover uma revolução produtiva na Amazônia. Os pequenos produtores possuem grande espirito de cooperação, que se manifesta no mutirão ou ajuri, troca de dias de serviços, etc., mas que, geralmente, quando se promove uma organização formal, tende a conduzir ao fracasso. Precisamos investir muito ainda na educação formal no meio rural. O sucesso da juta e da pimenta-do-reino, duas lavouras exóticas que foram introduzidas na Amazônia pelos imigrantes japoneses na década de 1930, e que foram rapidamente democratizadas, mostra que os pequenos produtores da região não são avessos a inovações. Respondem a preços e mercados, aprendem tecnologias complexas. Defendo que a saída para a Amazônia é descobrir alternativas produtivas, em vez de enveredar na venda de créditos de carbono e outros mercados abstratos.
TODAFRUTA (Prof. Carlos Ruggiero) – Gosto da seguinte definição de um produtor ideal: é “aquele que utiliza todas as informações técnicas disponíveis, comercializa a produção, procurando sempre agregar valor ao produto”. Quais os pontos de estrangulamento no atendimento a esta definição pelos produtores?
ALFREDO HOMMA – Baixo nível de instrução formal dos produtores, reduzida capacidade da assistência técnica com qualidade como se verifica com os produtores integrados a grandes empresas, escassez de oferta tecnológica, infraestrutura precária, insegurança fundiária e patrimonial, má gestão da máquina pública e corrupção pública, entre outros.
TODAFRUTA – O que falta fazer para voltarmos a ter hegemonia da cultura?
ALFREDO HOMMA – Precisamos plantar castanheiras, avançar na pesquisa com esta cultura, procurando uma efetiva domesticação no longo prazo, com árvores mais produtivas, reduzido porte, tamanho de amêndoas adequado, conteúdo de selênio se este for o indicativo importante, etc. É um programa para 50 a 100 anos para chegarmos ao nível da mangueira ou da laranjeira. Há necessidade de mudar o enfoque dos pesquisadores interessados apenas em publicações Qualis A1, A2, etc. do que a busca de resultados práticos. É um produto que tem mercado, todos conhecem, um alimento altamente nutritivo, a planta é amigável ao meio ambiente, entre outros fatores positivos. Esta concepção não seria apenas para a castanheira, mas para dezenas de outros produtos extrativos que apresentem potencial de mercado e já estão com a capacidade de oferta no limite de suas possibilidades.
TODAFRUTA – Quais outros pontos o senhor gostaria de enfatizar?
ALFREDO HOMMA – É interessante verificar que o desaparecimento da produção extrativa de castanha-do-pará na Amazônia não decorreu da sua substituição pela produção proveniente de plantios, como tem ocorrido para a maioria das 3 mil plantas que foram domesticadas nestes últimos 10 mil anos. No caso da população de castanheiras no sudeste paraense, as razões da desintegração da economia extrativa estão relacionadas com o conflito decorrente da ocupação comum do espaço geográfico pelos diferentes atores sociais que emergiram a partir da década de 1970 e do interesse do Estado representado pelos recursos minerais e agropecuários. A outra lição desta destruição das castanheiras é que os problemas ambientais na Amazônia não são independentes. A destruição dos estoques de castanhais constitui efeito colateral de problemas econômicos e sociais locais e de fora da região. A pobreza do Nordeste brasileiro tem muito a ver com a drenagem de contingentes migratórios para o sudeste paraense, visível nas estatísticas de origem dos posseiros e dos integrantes do MST, todos na busca de novas esperanças. O conjunto das políticas públicas e do interesse dos grandes investidores nacionais e internacionais nos estoques de recursos minerais, com baixo nível de geração de empregos, tem resultado no paradoxo da pobreza absoluta em uma das regiões mais ricas de depósitos minerais do planeta.
TODAFRUTA – Qual a mensagem de alento aos produtores da castanha-do-brasil?
ALFREDO HOMMA – A despeito da imagem extrativa e de não existirem estatísticas, estima-se que pelo menos 5% da produção de castanha-do-pará são provenientes de plantios. Espera-se no longo prazo o aumento da participação da castanha proveniente de plantios, tanto de pequenos como de médios e grandes produtores. A insistência no modelo extrativo, como querem os movimentos sociais, as ONGs e os governos dos países desenvolvidos, tende a prejudicar os consumidores e produtores na obtenção de maior oferta, produtos de melhor qualidade e preços mais reduzidos, gerando mais renda e mais empregos. O culto ao atraso torna-se extremamente prejudicial para as populações da região amazônica. Precisamos aproveitar tanto o mercado doméstico quanto o externo, que apresentam grande potencial de crescimento, reprimidos pela reduzida capacidade de oferta do setor extrativo e da falta de produção em áreas cultivadas. É possível aumentar a coleta dos castanhais que sobreviveram à destruição das últimas quatro décadas, mas essa tarefa deverá atingir um limite de extração decorrente da dispersão das castanheiras, conduzindo a baixa produtividade da terra e da mão de obra. A opção de plantio de castanheiras como cultivo agrícola nas áreas já desmatadas e/ou degradadas revela-se como alternativa de longo prazo para aumentar a oferta, gerar renda e emprego e democratizar o consumo. O sucesso da domesticação do cajueiro, cultivado em larga escala no Nordeste brasileiro, na África e na Ásia, enseja a questão: a castanheira-do-pará não poderá seguir o mesmo caminho?
Nota: aos interessados em maiores detalhes sobre as questões amazônicas, recomendamos consultar o site:<https://www.researchgate.net/profile/Alfredo_Homma/contributions>.