(Autores: Ivan Fischer, Micheli Zanette, Marcel Spósito e Lilian Amorim – ESALQ – Matéria publicada na edição 76 da revista Cultivar Hortaliças e Frutas)
As técnicas de manuseio e conservação de frutos têm recebido grande atenção nos últimos anos, pois os danos em pós-colheita podem superar 20%, decorrentes principalmente de doenças. Em frutos cítricos coletados em packing houses paulistas, a incidência de podridões superou os 14%, após duas semanas de armazenamento a 25ºC.
Os índices de descarte de frutos são geralmente reflexos da incidência de podridões, uma vez que os frutos são desqualificados para comercialização pela presença dos sintomas. A probabilidade de infecção depende da quantidade de inóculo presente no fruto, e a quantidade de esporos nos packing houses influenciou nos níveis de podridões. Em levantamento da micoflora em packing houses de citros paulistas foi constatado predomínio dos gêneros Cladosporium e Penicillium. Entretanto, entre os patógenos de pós-colheita com importância em citros, os gêneros Penicillium e Alternaria foram os mais frequentes nestes packing houses, assim como em pomares cítricos espanhóis.
Os problemas derivados dos altos níveis de contaminação nos pomares e packing houses são aumentados quando existem isolados resistentes aos fungicidas. Estudos têm constatado que o fenômeno de resistência é uma das principais causas do fracasso de tratamentos químicos em pós-colheita. A grande maioria se refere a P. digitatum frente aos benzimidazóis, ortofenilfenato de sódio e imazalil. Amostragens do ambiente de packing houses paulistas constataram que 39% dos isolados de P. digitatum apresentavam resistência ao fungicida tiabendazol e 1% ao imazalil. A presença elevada de P. digitatum resistente a fungicidas nos packing houses sugere o campo como o principal local para ocorrência de resistência, provavelmente pelo alto número de aplicações de fungicidas durante o ciclo de produção.
Pomares orgânicos e convencionais
É crescente o interesse por sistemas de cultivo agroecológico, como o orgânico, com um grande nicho de mercado a ser explorado. O sistema de cultivo orgânico de citros vem sendo adotado em vários estados brasileiros. Entretanto, o principal entrave para a sua produção é a falta de conhecimento científico.
Em cultivo orgânico de tangerina, na Espanha, foi observada maior micoflora ambiental do que em pomares convencionais, possivelmente relacionada à intensificação da vida microbiológica do solo e ao aumento da biodiversidade relatada nos sistemas orgânicos.
Estudos recentes em pomares orgânicos e convencionais de laranja ‘Valência’, localizados em Borborema e Itápolis, SP, buscaram identificar e quantificar as doenças pós-colheita, assim como caracterizar a micoflora ambiental e detectar a presença de isolados de P. digitatum resistentes aos fungicidas tiabendazol e imazalil nos pomares.
A incidência total de podridões em laranjas ‘Valência’ diferiu significativamente nos quatro pomares estudados aos 14 dias de armazenamento, com maiores incidências nos frutos orgânicos em relação aos do sistema convencional. Maiores incidências da podridão peduncular de Lasiodiplodia foram observadas nos frutos orgânicos (15% a 20%), assim como da podridão peduncular de phomopsis (Phomopsis citri) nos frutos orgânicos do pomar de Borborema (4%). Na média dos pomares, a podridão de Lasiodiplodia foi a doença mais frequente (10%), seguida da podridão peduncular de phomopsis (2%). Bolor verde, antracnose, podridão negra (Alternaria citri), podridão de fusarium (Fusarium spp.), podridão azeda (Geotrichum citri-aurantii), bolor azul (P. italicum) e podridão de aspergilus (Aspergillus niger) foram encontradas em menor frequência.
A incidência comparativamente inferior de podridões nos frutos produzidos no sistema convencional deve-se, provavelmente, ao manejo fitossanitário mais intensivo, com o uso de fungicidas de ação mesostêmica/sistêmica. É importante salientar que há poucas opções de insumos certificados na agricultura orgânica para o controle de pragas e doenças em comparação com a agricultura convencional.
A podridão peduncular de Lasiodiplodia assume maior importância em regiões quentes e úmidas, como Flórida e Caribe. A elevada incidência desta doença em laranja ‘Pera’, em Recife, foi atribuída à temperatura do local de armazenamento dos frutos, em torno de 30°C, aliada ao uso do etileno para o desverdecimento dos frutos, que causa a abscisão precoce do cálice, facilitando a entrada do patógeno que se encontra latente nesse tecido.
O bolor verde, considerado a principal doença pós-colheita dos citros em regiões semiáridas, foi pouco expressivo em laranja ‘Valência’, a exemplo do observado por outros autores com frutos da mesma variedade destinados à exportação, com incidência inferior a 1,0%. Entretanto, em laranjas ‘Pera’, ‘Natal’ e ‘Lima’, produzidas e comercializadas no estado de São Paulo, o bolor verde foi a principal doença, com incidência superior a 10%, sugerindo que a variedade ‘Valência’ possa ser menos suscetível.
A diversidade de podridões sugere a necessidade de medidas de controle mais efetivas durante as fases de produção e pós-colheita. O uso de defensivos e as boas práticas agrícolas, incluindo adequada fertilização, podas de limpeza e remoção de frutos caídos no pomar, reduzem os tecidos vegetais mortos e consequentemente a fonte de inóculo de patógenos. Infecções em pós-colheita podem ser reduzidas por meio do manuseio cuidadoso dos frutos durante colheita, transporte, processamento e armazenamento; da utilização de drencher para a limpeza dos frutos antes de entrarem no packing house e da higienização, com produtos à base de cloro e amônia quaternária, das caixas de colheita e das instalações do packing house. Do mesmo modo, a redução das doenças pode ser obtida pelo emprego dos fungicidas em pós-colheita. A refrigeração no armazenamento e transporte dos frutos atrasa consideravelmente o desenvolvimento das podridões.
A micoflora ambiental não diferiu entre os pomares estudados. Entre os patógenos em pós-colheita com importância econômica, Penicillium e Alternaria foram os mais frequentes, semelhante ao observado em pomares espanhóis, packing houses paulistas e na Ceagesp. Não foi observada correlação entre a frequência de P. digitatum encontrada nos pomares paulistas e a incidência do bolor em frutos desses pomares. Outros fatores como a suscetibilidade dos frutos à infecção e as condições ambientais antes e durante a colheita também apresentam importância, impossibilitando o estabelecimento de uma relação quantitativa entre os níveis de população fúngica nos pomares e os danos por podridões. Níveis de inóculo ambiental de P. digitatum em packing houses também não se correlacionaram com os índices de bolores. Não existe um critério geral que permita discernir os limites críticos de contaminação fúngica a partir dos quais existe um alto risco de ocorrer uma incidência de bolor inadmissível. Não obstante, em packing houses, procura-se definir, mediante os níveis fúngicos populacionais, zonas sujas e limpas e estabelecer limites críticos que permitam determinar a eficácia das operações de higienização.
Não foram observados isolados de P. digitatum resistentes a tiabendazol+imazalil no ambiente dos pomares citrícolas. Resistência de P. digitatum a tiabendazol não diferiu entre os sistemas de cultivo, com média de 47% nos pomares. Já resistência a imazalil foi baixa .
Dos isolados de P. digitatum obtidos de laranjas amostradas nos pomares, 67% oriundos do sistema convencional e 61% do sistema orgânico se mostraram resistentes ao tiabendazol, não sendo observada resistência ao imazalil e tiabendazol+imazalil.
A baixa frequência de isolados resistentes ao imazalil deve-se, provavelmente, a não utilização do grupo dos imidazóis em pomares, além de ser, esse grupo químico, considerado de baixo a mediano risco no desenvolvimento de resistência. A maior frequência encontrada para o tiabendazol deve-se, provavelmente, ao uso contínuo de benzimidazóis (tiofanato metílico e carbendazim), em pomares, no controle da podridão floral (Colletotrichum acutatum) e da mancha preta dos citros (Guignardia citricarpa), e que apresentam modo de ação similar ao tiabendazol.
A frequência de isolados de P. digitatum resistentes ao tiabendazol é preocupante, pois populações resistentes poderiam proliferar facilmente. A eficácia no controle de bolor verde, causado por isolados resistentes a tiabendazol, foi menor comparada aos isolados não resistentes, em frutos tratados com o fungicida. A combinação de fungicidas com diferentes modos de ação previne ou atrasa o desenvolvimento de populações resistentes. Contudo, trabalhos recentes já constataram uma menor sensibilidade de isolados de P. digitatum aos fungicidas fludioxonil e pirimetanil, mesmo antes de serem empregados comercialmente.
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