
O estudo vai pesquisar sementes de espécies nativas da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia.
Foto: Juliana Freire
A Embrapa e a startup de restauração ambiental Morfo Brasil firmaram uma parceria de pesquisa com o intuito de definir protocolos para o manejo de sementes florestais, insumo fundamental para o compromisso do Brasil de restaurar 12,5 milhões de hectares de áreas degradadas até 2030. “O estudo vai pesquisar sementes de espécies nativas da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia com potencial para uso na técnica de semeadura direta voltada à recuperação de áreas degradadas. O uso racional desses recursos é essencial para acelerar a reabilitação desses três biomas”, afirma Emira Cherif, diretora científica da Morfo.
Com previsão de dois anos de duração, o estudo tem o potencial de alavancar a produção de sementes com qualidade e ganhos de produtividade. Segundo a pesquisadora Juliana Müller Freire, da Embrapa Agrobiologia (RJ), o projeto representa uma grande oportunidade para identificar lacunas de conhecimento e aprofundar a pesquisa em tecnologia de sementes de espécies florestais nativas. Isso permitirá melhorar os protocolos de germinação e conservação, aumentando a qualidade das sementes utilizadas na restauração.
A cientista revela que o principal desafio de trabalhar com sementes florestais, comparativamente às de culturas agrícolas, é a grande diversidade de espécies, e o desconhecimento em relação ao comportamento da maioria delas. Isso sem falar da dificuldade de obtenção de sementes em grande quantidade e do beneficiamento, processo trabalhoso para muitas espécies e que nem sempre conta com técnicas e equipamentos específicos. “A parceria com a Morfo será uma grande oportunidade para a Embrapa, pois teremos essas sementes limpas e coletadas, prontas para a pesquisa”, declara a pesquisadora.
Foto: Isabelly Sedano
Como será conduzido o estudoPara a condução das pesquisas, a Morfo enviará mensalmente à Embrapa lotes de sementes adquiridas com coletores nos três biomas, em locais em que a empresa já atua em projetos de restauração. A qualidade dos lotes será avaliada por meio de peso de mil sementes, teste de germinação, teste de pureza e determinação do teor de água. “Vamos saber, por exemplo, o percentual de germinação da semente e o quantitativo por quilo”, cita Freire.
Paralelamente, será feita a revisão bibliográfica dos estudos já existentes sobre tecnologia de sementes para cada espécie, buscando entender como conservá-las por mais tempo, as melhores formas de secagem e armazenamento, se há dormência e se há métodos para superação de dormência. A cientista ainda verificará estudos existentes sobre a melhor temperatura e substrato de germinação.
A ausência de publicações sobre diversas espécies é um dos desafios com que a equipe de pesquisa deve se deparar. “Há espécies sobre as quais não há absolutamente nada publicado ainda”, ressalta a cientista da Embrapa ao lembrar que há algumas que já têm normas de análise definidas (substrato, temperatura e método de superação de dormência) e outras já são bem pesquisadas. “ Há algumas até já têm muitas publicações relacionadas, mas nenhuma que tenha conseguido resolver o problema da baixa germinação. É o caso da Zanthoxylum rhoifolium (mamica-de-porca, no nome popular)”, conta.
Ela acrescenta ainda que a grande diversidade genética das sementes também requer atenção, já que as espécies apresentam variabilidade no comportamento. “Porém, isso pode ser contornado com o aumento do número amostral para análise, sempre seguindo as recomendações da Regra de Análise de Sementes (RAS) e das Instruções para Análise de Sementes de Espécies Florestais, que indicam o número mínimo de repetições para reduzir a variação”, explica.
Cherif lembra que as sementes nativas utilizadas na recuperação ambiental são coletadas diretamente na natureza e comercializadas por redes de coletores. Entre o início e o fim do processo, há a etapa de armazenamento, que precisa ser criteriosa para evitar, ou minimizar, as perdas. “O armazenamento adequado é peça-chave para a manutenção da viabilidade das sementes por mais tempo, permitindo sua disponibilidade ao longo de todo ano”, acrescenta. Para complicar, há espécies cujas sementes não toleram secagem, são as recalcitrantes. “Nesse caso, o armazenamento se torna difícil, pois é preciso manter a alta umidade da semente e controlar os fungos”, frisa Freire.
A escassez de sementes de qualidade é um dos principais gargalos para o Brasil atingir suas metas de restauração. É o que aponta um estudo da Universidade de Sidney, coordenado por Danilo Urzedo e publicado na revista científica Internacional Forests (leia aqui). De acordo com o documento, seriam necessárias de 3,6 mil a 15,6 mil toneladas de sementes para cobrir a área estipulada. Essa variação impressionante não se deve a um erro de cálculo, mas relaciona-se à qualidade dos lotes de sementes.
Em um cenário ideal, com sementes de alta qualidade, a necessidade seria de 3,6 mil toneladas. No entanto, se os lotes forem de baixa qualidade, a demanda pode aumentar quase cinco vezes, elevando os custos e a complexidade do reflorestamento. Ou seja, a melhoria da qualidade das sementes proporciona um efeito cascata positivo: eleva a taxa de germinação, reduz a quantidade necessária para alcançar um mesmo resultado e reduz os custos dos projetos de restauração, tornando-os mais viáveis e eficientes.
“O estudo mostra que, na técnica de semeadura direta, que demanda grande quantidade de sementes, são necessários cerca de 37 quilos de sementes de baixa qualidade por hectare, considerando a taxa de menos de 30% de germinação. Já com sementes de alta qualidade seriam suficientes apenas 17 quilos por hectare, com mais de 45% de germinação”, sintetiza Freire, evidenciando que investir nas pesquisas sobre tecnologia de sementes é essencial para o aproveitamento dos recursos e para projetos de restauração financeiramente mais viáveis.
No laboratório, as sementes passam por um processo de avaliação da sua qualidade física e fisiológica, seguindo as Regras de Análise de Sementes, documento do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Nessa avaliação, são contabilizadas as purezas e as impurezas do lote, a presença de pragas e danos causados na semente, o percentual de germinação e a velocidade de germinação (vigor). A semente possui qualidade quando apresenta alta germinação e vigor, baixa infecção por fungos no processo de germinação e lotes com alto grau de pureza.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), a qualidade implica habilidade para produzir descendentes saudáveis adequados ao plantio. No caso das sementes florestais, Freire explica que, fisicamente, são considerados atributos como tamanho, peso, cor e teor de umidade. Fisiologicamente, é importante que as sementes germinem em quantidade e uniformidade adequadas, garantindo estabelecimento robusto. Por fim, outro fator a ser considerado é a aptidão genética: as matrizes de onde as sementes são coletadas devem ser apropriadas ao local de plantio.
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