As pesquisas desenvolvidas no Brasil com a uva têm se concentrado em doenças e pragas de importância econômica, com opções de manejo ainda fundamentadas na proteção química da cultura, mas resultados não têm sido satisfatórios, mesmo com os melhores fungicidas.
Os parreirais da Serra Gaúcha apresentam grande heterogeneidade de condução, o que pode complicar o manejo adequado das doenças fúngicas. São diversas cultivares plantadas, tanto produtoras quanto porta-enxertos, sobre variados tipos de solo e diferentes exposição solar, drenagem, sistema de condução, manejo da parte aérea, adubação e formas de controle das pragas e doenças, entre outros fatores. Essa vastidão de variáveis torna difícil à recomendação de uma receita única visando equilibrar a planta como um todo, mas algumas recomendações podem minimizar o ataque de alguns patógenos. Embora a videira esteja sujeita ao intenso ataque de vários patógenos (fungos, vírus, bactérias ou nematoides), o que reduz a quantidade e a qualidade da uva produzida, alguns deles merecem atenção especial logo após a colheita da uva.
Na cultura da videira, as doenças causadas por fungos fitopatogênicos são responsáveis pelos maiores danos e pelo consumo de agrotóxicos para o seu controle. A presença de fungos no vinhedo pode ou não resultar na ocorrência de doença, o que depende de outros fatores importantes. As condições básicas são: a presença de cultivares de videira suscetíveis, a presença de ‘sementes’ do fungo no local e o ambiente favorável (temperatura e umidade). Nos anos de El Niño, com maior frequência de chuvas na região Sul, observa-se maior incidência e severidade da maioria dos fungos que atacam a videira, enquanto que nos anos de La Niña, com predominância de clima seco, no Sul do Brasil, observa-se redução na ocorrência de doenças. Contudo, há alguns casos específicos, como a ocorrência de oídio, quando o clima está seco, ou a ocorrência de míldio em vinhedos instalados em baixadas com maior predominância de umidade (orvalho ou cerração), mesmo quando o clima está seco na região.
Figura 1 – Cacho da cultivar Cabernet Sauvignon com sintomas de podridão da uva madura (foto: Lucas Garrido – Embrapa Uva e Vinho)
As pesquisas desenvolvidas no Brasil com a uva têm se concentrado em doenças e pragas de importância econômica, com opções de manejo ainda fundamentadas na proteção química da cultura. Contudo, observa-se que em alguns casos o controle não tem sido satisfatório, mesmo utilizando-se os melhores fungicidas para a doença-alvo. As causas vão desde a utilização de dosagens incorretas até a tecnologia de aplicação imprópria. Porém, esses fatores não respondem completamente à dificuldade no controle de determinadas doenças, em especial aquelas da parte aérea da planta, pois o manejo inadequado do vinhedo pode também contribuir para o agravamento de doenças. Logo, o manejo adequado do vinhedo inicia-se logo após a colheita da uva e se estende até a safra seguinte.
Recomendações pós-colheita
Após a colheita e durante o período de dormência, muitos fungos sobrevivem nos restos culturais ou mesmo na própria planta, causando doenças na safra seguinte. O míldio da videira sobrevive nas folhas infectadas caídas no chão ou mesmo em ramos infectados. Já o oídio sobrevive nos ramos e nas gemas. A podridão cinzenta (Botrytis cinerea) e a podridão da uva madura (Glomerella cingulata) sobrevivem nos cachos mumificados ou mesmo em ramos infectados deixados no vinhedo, constituindo-se nas fontes de inóculo (sementes dos fungos) para a safra seguinte. Da mesma forma, as doenças de início de ciclo, como a antracnose (Elsinoe ampelina) e a escoriose (Phomopsis viticola), permanecem também durante o período de dormência da videira em cancros presentes nos ramos infectados.
Figura 2 – Ramo com sintomas de antracnose (foto: Lucas Garrido – Embrapa Uva e Vinho)
Outra doença de grande importância, porém com pouca atenção dada por parte dos produtores, é a podridão ou morte descendente (Botryosphaeria sp.), que vem se alastrando nos últimos anos, em virtude da falta de adoção de medidas de controle nos vinhedos. Essa última também tem como meio de sobrevivência os restos culturais infectados, os esporões que não brotam e os ramos secos mantidos nas plantas.
Vale a pena destacar que nem todas as doenças são facilmente controladas apenas com fungicidas, tornando necessária a adoção de outras práticas de controle, entre elas a eliminação dos restos culturais infectados e outras partes da planta já comprometidas. Não há, no mundo, fórmulas mágicas que substituam essa operação.
Figura 3 – Bagas com sintomas de oídio (foto: Lucas Garrido – Embrapa Uva e Vinho)
Para um controle racional e mais eficaz das doenças da videira, é importante a utilização e combinação de diferentes métodos (evasão, exclusão, erradicação, proteção, regulação, imunização e terapia), para que se obtenha otimização na redução da incidência e severidade das doenças na videira e, consequentemente, alcance-se o máximo em produtividade, sem reflexos negativos no ambiente, aceito pela sociedade e que seja economicamente viável. Desses métodos, os que devem ser aplicados no vinhedo após a colheita da uva são: erradicação, proteção e terapia (confira tabela).
Figura 4 – Folha com sintomas de escoriose
A erradicação visa à eliminação completa de um patógeno do vinhedo, sendo tecnicamente possível quando o patógeno tem restrito espectro de plantas hospedeiras e baixa capacidade de disseminação. É economicamente viável quando a presença do patógeno restringe-se a uma área geográfica relativamente pequena. As medidas de erradicação, no âmbito de propriedade, incluem: eliminação de plantas ou partes vegetais doentes, eliminação dos restos da poda, eliminação dos cachos mumificados, enterrio de restos da poda, arranque de plantas doentes, rotação de cultura e descanso de, no mínimo, um ano, no caso de reimplantação de vinhedo na mesma área.
Figura 5 – Apodrecimento interno causado pela podridão descendente
Já a proteção de plantas visa à prevenção do contato direto do patógeno com a planta hospedeira. É comumente obtida pela aplicação de fungicidas, visando diretamente aos patógenos. A ideia é proteger a planta contra a penetração do fungo. A eficiência da proteção depende das características inerentes do produto (fungicida), bem como da estratégia de aplicação. O método, a época, a dose e o número de aplicações, bem como os produtos mais adequados, são aspectos que devem ser considerados nos programas de proteção. Os tratamentos após a colheita são importantes para manter a folhagem ativa até o período de senescência normal.
Figura 6 – Cacho de uva com sintomas de antracnose (Foto: Olavo Sônego – Embrapa Uva e Vinho)
Recomendam-se também as medidas que visam à proteção dos ferimentos (terapia), após a poda dos vinhedos, contra a infecção por Botryosphaeria sp., Elsinoe ampelina e Phomopsis viticola, por meio da aplicação de calda bordalesa, pasta bordalesa ou mesmo tinta plástica misturada com fungicida. Outro tratamento químico de inverno é a pulverização com calda sulfocálcica 4°Be, que é extremamente eficiente para erradicar muitos fungos, direcionada para o tronco e a base dos ramos, visando a eliminar ou reduzir o inóculo inicial de vários patógenos que sobrevivem nos tecidos do tronco, ramos e gemas. O uso de defensivos agrícolas deve ser feito dentro do maior rigor técnico, devido à grande importância do problema de poluição ambiental e da intoxicação humana.
Antes da escolha dos fungicidas a serem utilizados para controle de doenças da videira, o produtor deve levar em consideração o registro para videira, a eficácia dos produtos, a menor toxicidade para o ser humano e para o ambiente, o período de carência, a ausência de fitotoxicidade e o custo. Existindo qualquer dúvida na escolha dos produtos, os produtores devem procurar os técnicos da Emater, da Secretaria Municipal de Agricultura ou de empresas privadas, para mais informações.
Grande importância tem que ser dada à tecnologia de aplicação (pulverizador ou outro sistema para aplicação de agrotóxicos), que deve receber manutenção periódica (revisão), para evitar perdas que possam interferir na eficácia do controle – ou seja, se o produto não revestir uniformemente e completamente o órgão da planta tratado, a doença poderá vir a se desenvolver.