(Notícia divulgada em 09/03/2016 pela Embrapa Mandioca e Fruticultura – Cruz das Almas, BA)
Das 18 espécies do gênero Spondias, como umbu-cajá, cajarana, ceriguela e umbuguela, várias são pouco estudadas e sua produção é totalmente extrativista, ou seja, são coletadas diretamente da natureza e não cultivadas em pomares comerciais. Por conta disso, parte de um trabalho de pesquisa na Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) distribui mudas e ajuda a manter bancos de germoplasma dessas frutas.
A mais famosa é o umbu, fruto do umbuzeiro, planta tão importante para o sertanejo que foi citada pelo escritor Euclides da Cunha no livro Os Sertões, de 1902: “É a árvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Representa o mais frisante exemplo de adaptação da flora sertaneja”. Mais que isso, o umbu só existe nessa região.
Todas as plantas do gênero Spondias têm crescimento lento, mas são tolerantes à seca e têm boa produtividade em locais sem irrigação. Principalmente por essa característica, têm bastante importância para o Semiárido. “Muitas vezes, o umbu produz independentemente da chuva. Mesmo com pequena chuva ou trovoada, ela produz, garantindo uma renda para o pequeno produtor e, até mesmo, sua sobrevivência”, afirma Nelson Fonseca, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
A resistência à seca tem explicação. “O umbuzeiro tem raízes túberas ou xilopódios [que armazenam água e nutrientes]. Hoje há plantas muito velhas no Semiárido que estão morrendo. Além disso, existem os produtores que derrubam a vegetação, destruindo as plantas do umbuzeiro para a formação de pastos, a ocorrência de incêndios no período seco que matam a vegetação e as pequenas plantas que nascem das sementes que são comidas pelos próprios animais que vivem no semiárido. Tudo isso impede que os umbuzeiros se renovem”, explica Nelson.
Há uma carência para a formação de mudas selecionadas do gênero Spondias, pois existe pouco material propagativo selecionado. As plantas de umbuzeiro, por exemplo, são mais encontradas na zona rural, onde são atacadas pelos animais, que comem ramos, folhas e frutos. Já as de umbu-cajazeira estão em zonas urbanas, desaparecendo pela ação predatória do homem, que as destroem para ganhar mais espaço no quintal.
Apesar de ser possível a propagação das Spondias por sementes, o método ideal é por enxertia. A principal vantagem da muda enxertada está relacionada à garantia de manutenção das características da planta propagada, o que não é possível na muda produzida por meio de semente. Outra vantagem está na formação de pomares comerciais mais uniformes no tamanho de plantas e na produção de frutos, além da antecipação do início de produção.
De acordo com Nelson Fonseca, os materiais selecionados de umbu e umbu-cajazeira, por exemplo, recebem o nome da pessoa, propriedade, comunidade ou município onde foi feita a coleta. Se um material foi selecionado em América Dourada, ele é chamado de América Dourada. “Nesse caso, não são variedades, pois ainda não foram lançados como variedades. São tipos diferentes originados de uma hibridação ou cruzamento natural e se destacaram quanto ao tamanho de frutos, bom paladar e boa percentagem de polpa, entre outras características,” explica. Esse material é coletado para fazer enxertia. Fonseca conta que há previsão de lançar cinco ou seis variedades de umbuzeiro e até 14 materiais de umbucajazeiras. “Nós temos propagado esse material, como se fosse uma validação”, diz. Ainda não há data para lançamento porque depende de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão do Ministério do Meio Ambiente, já que diz respeito à biodiversidade brasileira.
Com o objetivo de colaborar com a preservação da espécie, a Embrapa Mandioca e Fruticultura, a Embrapa Semiárido (PE) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) cederam, em 2006, para o campus do Instituto Federal de Educação (IF) em Guanambi (BA), mudas de umbuzeiros e umbucajazeiras. “A Embrapa colocou em nosso instituto uma coleção de 26 clones, totalizando 140 plantas. Dessas, 80 plantas têm nove anos. Nós já estamos produzindo há quatro. As outras 60 fizeram cinco anos em novembro e vão iniciar a produção, ainda pequena, esse ano. A grande importância desse banco é a conservação desse material, já que ele tem uma variabilidade grande. É uma coleção que tem materiais da Bahia, de Minas Gerais e de Pernambuco, também considerados os melhores clones em tamanho. Isso é de fato um trabalho muito importante para a preservação da espécie na Caatinga”, explica o engenheiro-agrônomo Sergio Donato, professor do IF Baiano.
Segundo ele, o peso médio de um fruto de umbuzeiro é em torno de 18 gramas, mas os clones de umbu da coleção superam em muito esse valor. “O peso médio do clone MG-01, originado de Lontra (MG), é 98 gramas, mas existem outros também quase do mesmo tamanho. Quando se fala por aí de umbu gigante&39, todo mundo normalmente se refere a esse clone, ele é o mais difundido. O peso médio desse clone é 98 g, mas ele chega a 160 gramas”, complementa o professor.
Para Donato, o umbuzeiro é uma cultura de fácil manejo, por ser adaptada às condições ecológicas. “Se você pensar que no Semiárido outras plantas demandam água, trabalhar com o umbu é mais tranquilo. É lógico que não pode ser no ‘bodismo&39;, você colocar a planta e achar que ela vai sobreviver. Uma vez passada a fase inicial, a manutenção é mais fácil”, afirma. O professor destaca ainda o clone CP-47, com características exóticas, com apelo também ornamental, originado de São Gabriel, BA, cujos frutos pequenos e doces são dispostos em cachos, parecidos aos de uva, com até 25 frutos.
O negócio agrícola do umbu envolve a colheita, o beneficiamento e a comercialização do fruto, tendo grande potencial de exploração agroindustrial. Os frutos são muito apreciados para o consumo ao natural ou processados sob a forma de polpas, sucos, doces, néctares, picolés e sorvetes. Recentemente, foram introduzidos na gastronomia brasileira, que reúne sabores típicos regionais.
O processamento é muito importante na época da colheita, caso contrário, grande parte dos frutos poderá ser perdida. “Muito desse material é armazenado em polpas para ser consumido durante o ano todo. Para o agricultor, isso é agregação de valor, é um aumento de renda para ele. Na época de janeiro a março, em que se concentra o pico da safra, é importante ter esse processamento”, explica Nelson Fonseca.
Existe um amplo mercado interno e externo a ser explorado, que, atualmente, ainda é muito restrito às regiões Norte e Nordeste. Seus frutos são bastante usados pelos produtores de forma artesanal – em especial para a produção de geleias – mas na Bahia já ganhou cunho empresarial com a Cooperativa de Produção e Comercialização dos Produtos da Agricultura Familiar do Sudoeste da Bahia – (Cooproaf), que tem 63 cooperados, e com a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), formada por 204 cooperados, em sua maioria mulheres, e que já comercializa seus produtos nos mercados mais sofisticados do Brasil e exporta para Itália, França e Áustria.
De acordo com o pesquisador, o plantio de áreas comerciais deve ser incentivado para que se consiga suprir a demanda. Por isso, a Embrapa pretende, em breve, disponibilizar um sistema de produção. Hoje, a Unidade de pesquisa repassa mudas enxertadas aos produtores que doaram as primeiras sementes para a formação da coleção de Spondias.
Mais recentemente, as fruteiras do gênero Spondias começaram a ser usadas em sistemas agroflorestais (SAFs), inclusive na Mata Atlântica, como alternativa para agricultores familiares do litoral sul da Bahia, onde se cultiva prioritariamente cacau. Práticas específicas de manejo cultural e novas combinações e arranjos de SAFs estão sendo testadas pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, sob a liderança do pesquisador Marcelo Romano.
Dilermando Morais Fonseca, técnico da Secretaria de Agricultura da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (BA), é um fã particular do umbuzeiro. “A nossa luta é transformar o umbuzeiro em planta cultivada, pela domesticação da espécie, porque hoje ela ainda é fruto do extrativismo. São milhões e milhões de reais que rodam a cada safra no Nordeste, na beira da estrada, na feira, na indústria de polpa. É algo que chamo de economia invisível, porque, se a gente procurar algum dado econômico, não existe absolutamente nada”, assegura.
Em parceria com a Embrapa, foi criado nessa secretaria municipal um banco de germoplasma, hoje com 750 plantas. Destas, cerca de 30 foram classificadas como gigantes. “Além das plantas cedidas pela Embrapa, mais uns sete ou oito a gente garimpou por aqui”, diz.
A paixão de Dilermando Fonseca é tão grande que, em paralelo ao trabalho na secretaria, ele também ingressou na produção. “Já que eu incentivo tanta gente a cultivar, por que não eu também? Eu vou produzir o fruto, o umbu. Agora, é claro que sempre há a possibilidade de formação de mudas porque a gente tem que fazer a poda anual”, salienta.
No distrito de Pedra Preta, em Anagé (BA), o agricultor José Ferreira Novaes cultiva o umbu nativo, cujas árvores têm cerca de 50 anos, e o gigante, cujas mudas vieram da Embrapa Semiárido há 12 anos. Os frutos do umbu nativo são consumidos pelo gado da propriedade e os gigantes são vendidos. Novaes, mais conhecido como Dodô, destaca a produtividade. “Pra mim é muito boa. Os umbus de raça, que chamam de gigantes, carregam bastante, produzem muito. O nativo produz entre oito e nove anos e o gigante com seis anos já começou a produzir. Em 2013, colhi 80 caixas do umbu de raça. Em 2014, foram 90 e poucas caixas. Meus 33 pés renderam R$ 3 mil na safra passada. Para 2015, eu quero ganhar R$ 4 mil”, planeja.
Pequenos produtores como Dodô e Dilermando são fundamentais para que a expectativa do pesquisador Nelson Fonseca se concretize: “Quando outras regiões do País e até do mundo conhecerem mais o fruto do umbuzeiro, vai ser uma redenção para o Nordeste”, espera.