Foto: Tullio Pádua
A equipe técnica da Embrapa registrou uma produtividade média (t/ha) do abacaxi Pérola no cultivo orgânico irrigado superior ao registrado na produtividade média nacional da cultura. Um grande feito, levando-se em consideração que no cultivo orgânico não é permitido o uso de produtos químicos sintéticos, que facilitam a produção. A Embrapa, em parceria com a Bioenergia Orgânicos, está na vanguarda na elaboração de sistemas orgânicos de produção (SOP) de frutas no País, importante frente de atuação na busca de uma agricultura mais sustentável. Entre esses sistemas, está o de abacaxi. Assim como os de maracujá e manga, o SOP Abacaxi foi construído com base nos experimentos realizados em Lençóis, na Chapada Diamantina (BA).
De acordo com o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tullio Pádua, um dos editores técnicos da publicação, a produção no SOP chega a cerca de 49 t/ha em cultivo irrigado por microaspersão, com densidade de 35.712 plantas/ha e espaçamento de plantio de 1,0 m x 0,40 m x 0,40 m, considerando ainda uma perda padrão de 30% de frutos do Pérola em função da fusariose (principal doença da cultura) e da ocorrência de frutos sem valor comercial. “A produtividade média nacional de abacaxi, em 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 36,14 t/ha. Obtivemos, assim, nos experimentos, cerca de 35% a mais comparado ao cultivo convencional no País. Agora, em relação à produtividade média na Bahia, de 21,11 t/ha em 2019, alcançamos mais que o dobro. Vale deixar claro que a irrigação influencia nessa diferença, já que a maior parte da produção de abacaxi no País é em sistema de sequeiro. Mesmo assim, é um resultado excelente.”
Outro aspecto positivo observado no cultivo orgânico é a quantidade de frutos classificados como de melhor qualidade, chamados de “frutos de primeira” (acima de 1,5 kg), no caso da variedade Pérola: mais de 90% da produção apresentou frutos de peso médio elevado, de 1,8 kg a 2 kg, quando em cultivo irrigado. “O preço do fruto de segunda representa aproximadamente metade do preço do de primeira. Então, quanto mais frutos de primeira o produtor tiver, maior é o seu lucro. No convencional, a produção fica entre 50% e 60% de frutos de primeira. E no orgânico conseguimos mais de 90% quando cultivado com irrigação por microaspersão”, relata o cientista que, ao lado da pesquisadora Ana Lúcia Borges, representa a Embrapa na Comissão de Produção Orgânica da Bahia, fórum composto por membros de entidades governamentais e não governamentais.
Esse é mais um resultado do projeto “Desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical“, conduzido há quase dez anos pela Embrapa com a Bioenergia Orgânicos. O SOP Abacaxi reúne recomendações técnicas relacionadas a planejamento do pomar, condições de cultivo, cultivares, mudas, escolha do terreno e preparo do solo, plantio, suprimento de nutrientes e de água, manejo de plantas espontâneas, indução floral, manejo de pragas e doenças, colheita e manejo pós-colheita dos frutos, além de custo e rentabilidade. É recomendado para a região da Chapada Diamantina, mas a proposta é que sirva de modelo e possa ser ajustado para outros polos produtivos do País, já que contempla os princípios básicos da produção orgânica.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2019, o abacaxi foi produzido em 85 países, sendo o quinto fruto tropical mais importante. A Costa Rica é o maior produtor mundial, e o Brasil ocupa a terceira posição no ranking. Os principais estados produtores são Pará, Paraíba, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Tocantins.
Dados de janeiro de 2021 mostram que existem 22.982 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura. Desses, 1.518 produzem abacaxi (6,6%). “Há uma porcentagem pequena de produtores de abacaxi cadastrados como orgânicos. A intenção desse trabalho, assim como no caso das demais fruteiras, é contribuir para aumentar esse contingente, em busca de uma agricultura mais sustentável”, destaca Pádua.
Foto: Davi Theodoro Junghans (Florescência do abacaxi)
De acordo com a Portaria Nº 52 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nos sistemas orgânicos deve-se priorizar a utilização de material adaptado às condições locais e tolerantes a pragas e doenças, já que não se pode utilizar agrotóxicos nem adubos químicos solúveis. “No caso do abacaxi, então, já tínhamos uma alternativa, o BRS Imperial (foto à direita), cultivar desenvolvida pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, resistente à fusariose. Além disso, a cultivar tem um valor de mercado para o fruto in natura muito elevado e uma aceitação sensorial excelente, por ser muito doce. Ainda tem outro importante diferencial: não contém espinhos nas margens das folhas e na coroa, o que facilita o manejo e reduz custos e risco de acidentes”, salienta o pesquisador.
Já o Pérola, mesmo sendo suscetível à fusariose, foi escolhido por ser a variedade mais consumida em todo o País. “É um material que se adapta a praticamente todas as regiões e condições de cultivo, podendo, assim, vir a ser um componente importante na produção, porque os frutos são de muita qualidade, com bom tamanho e sabor, mesmo em cultivos mais rústicos, com menos tecnologia, menos adubação”, complementa Pádua.
Com base no resultado das análises de laboratório, fez-se, de antemão, a correção do solo, com aplicação de calcário, e o preparo da área utilizando um coquetel de plantas chamadas “melhoradoras” (gramíneas e leguminosas), de forma a produzir palhada para a proteção do solo e ciclagem de nutrientes. Em seguida, houve definição de espaçamento de plantio, em que se avaliaram cinco densidades para cada variedade; análise de doses de adubação orgânica, utilizando um composto chamado bokashi (foto à esquerda), que é enriquecido com micro-organismos benéficos às plantas e emprega vários resíduos ou produtos, como esterco bovino, torta de mamona, pó-de-rocha silicatada e micronutrientes; e avaliação da influência das plantas melhoradoras na produtividade das variedades.
Pádua explica que, paralelamente, foram avaliadas lâminas de irrigação, cinco para cada variedade, com o intuito de calcular a necessidade hídrica de cada planta para produzir bem — a irrigação é recomendada pelo fato de o plantio e a colheita poderem ser feitos em diferentes períodos, tendo o produtor a possibilidade de obter frutos durante todas as épocas do ano. Também foram testados sistemas de irrigação diferentes e a viabilidade do uso do mulching, uma espécie de lona plástica, tecnologia que pode ser usada em cultivo orgânico para controle de plantas daninhas e serve também como barreira física à transferência de calor e vapor de água entre solo e atmosfera.
Ambas as cultivares apresentaram respostas positivas ao uso da cobertura plástica do solo no cultivo irrigado. Essa prática não apenas permitiu o controle do mato nas linhas de plantio, seu objetivo inicial, mas também contribuiu para um melhor desenvolvimento vegetativo das plantas e uma produção de frutos maiores, com valor comercial superior.
Pádua explica que, com a irrigação por microaspersores (a água é jogada em gotas como chuva), sem a utilização da cobertura plástica, o produtor obtém frutos de maior peso. Mas caso opte pela irrigação por gotejo (a água é aplicada em pequenas vazões diretamente nas raízes das plantas), é importante que utilize o mulching para manter a boa produtividade do BRS Imperial — o gotejamento é distribuído por baixo da cobertura plástica.
“Para esse material, com a irrigação por gotejo sem cobertura plástica, o peso médio dos frutos foi de 600 g [o BRS Imperial tem frutos cilíndricos e menores]. Quando se utiliza a cobertura plástica com gotejo, o peso médio vai para quase 1 kg, semelhante ao que foi obtido quando se optou pelo microaspersor. A utilização do mulching associado à irrigação por gotejo aumentou o número de frutos com tamanho adequado para serem comercializadom em 128% para essa variedade. Outra informação interessante observada nesse sistema de cultivo foi a redução da incidência da fusariose no Pérola”, informa.
O pesquisador alerta que o produtor precisa ficar atento à validade do mulching, que deve ser descartado ao fim do ciclo, de forma a não gerar resíduos indesejáveis. “E a forma adequada de descarte deve fazer parte do planejamento da instalação do pomar”, orienta.
O maior desafio para implantação de um sistema orgânico de produção é o controle de pragas e doenças, tendo em vista a impossibilidade de uso de defensivos químicos sintéticos. É preciso haver o manejo da vegetação natural, o manejo nutricional e o monitoramento populacional das pragas e dos inimigos naturais. Nas condições de Lençóis, os principais problemas fitossanitários do abacaxi, de acordo com o pesquisador da Embrapa Aristoteles Matos, são a murcha virótica associada à cochonilha, causada pelo pineapple mealybug wilt associated virus, tendo como vetor a cochonilha Dysmicoccus brevipes; e a fusariose, causada pelo fungo Fusarium guttiforme.
“Com relação à fusariose, a primeira medida, claro, foi a adoção do BRS Imperial, resistente à doença. No caso do Pérola, a estratégia de controle tem sido o manejo integrado, com destaque para a utilização de mudas sadias produzidas em viveiro antiafídeo, inspeção mensal e remoção das plantas que desenvolvam sintomas da doença durante o desenvolvimento vegetativo e, se necessário, aplicação de caldas fitoprotetoras de uso permitido na agricultura orgânica”, explica Matos. Para o combate à murcha virótica associada à cochonilha, a estratégia de controle, segundo ele, é semelhante.
Para evitar a entrada de pragas e doenças no pomar, o primeiro passo foi garantir a produção de mudas sadias e certificadas. A Bioenergia decidiu implantar seu próprio viveiro com telado antiafídeo. “Utilizamos a técnica do seccionamento de talo para a produção de mudas. Pelo fato de o abacaxi ser uma cultura de ciclo longo [dois anos], é um grande desafio, pois dependemos do tempo da fruteira. Em cada hectare, utilizamos 37 mil mudas. Pretendemos chegar a 100 ha. Imaginem quantas mudas teremos de produzir?”, pontua Osvaldo Araújo, um dos sócios da Bioenergia. Hoje são cinco ha destinados aos experimentos. A ideia é, em escala comercial, chegar, segundo ele, a 40 ha em 2022 e a 100 ha até 2023.
A produção da Bioenergia será para a venda in natura e para abastecer a indústria de processamento de polpa integral, que, de acordo com Araújo, deve entrar em funcionamento em dois anos. A produção virá de suas fazendas, e a empresa vem envolvendo também agricultores familiares da região, como forma de promover o desenvolvimento local. “Fornecemos a muda, o adubo a preço de custo e garantimos a compra de 100% em contrato, e o produtor terá o compromisso de nos entregar, no mínimo, 50%.” O trabalho é realizado em conjunto com as prefeituras, encarregadas de organizar os produtores e prestar a assistência técnica. No caso do abacaxi, já existem três parceiros.
O gestor ambiental Rafael Wu, de Lençóis, é um deles. Em 2018, ele plantou quatro mil mudas do abacaxi Pérola em cultivo orgânico, adotando também preceitos do sistema agroflorestal. “Começamos o plantio com o maracujá nas entrelinhas do mamão, da banana e da lima ácida Tahiti. Utilizamos variedades da Embrapa e consorciamos com elementos florestais, as árvores nativas. Depois implantamos a área com o Pérola. Plantamos também mandioca, andu, tudo na mesma área. O crescimento dessas culturas junto com o abacaxi trouxe um bem-estar para a planta, reduzindo bastante a demanda hídrica dela”, conta Wu.
Recentemente, ele iniciou o plantio do BRS Imperial, utilizando mudas da Bioenergia (dez mil). Inseriu as mudas em áreas já plantadas, consorciando com graviola, citros, entre outras culturas, e fez um plantio novo, em consórcio com a mandioca, seguindo as recomendações do SOP. Ele conta que já observou outra vantagem do BRS Imperial: tolerância maior ao sombreamento. “Trabalhamos com sistemas agroflorestais, que tendem a sombrear muito mais o que está embaixo. Os abacaxis preferem o sol, mas o BRS Imperial teve resposta muito melhor do que o Pérola. Talvez, por isso, se encaixe melhor no sistema agroflorestal.”
Wu acrescenta que, desde que implantou sua área de fruticultura, há cinco anos, tem sido beneficiado pela parceria Embrapa/Bioenergia. “Um projeto dessa magnitude é importante para a Chapada e para o País. Sou vizinho da empresa e, para mim, é indispensável participar desse projeto, que está promovendo a integração dessa cadeia produtiva”, diz Wu, que participou de todas as capacitações promovidas pelo projeto desde 2014.
Desenvolvimento constante de novas tecnologiasDisponível on-line, o SOP do abacaxi é atualizado constantemente após o teste de novas tecnologias. Entre as novas alternativas oferecidas ao setor produtivo está uma forma de controle da queima solar, problema que impacta diretamente a qualidade do fruto. Os produtores costumam cobrir os frutos com jornal, prática não permitida no cultivo orgânico devido à presença de produtos químicos na tinta, que podem contaminar o fruto. “Decidimos testar as telas de sombreamento, tecnologia utilizada na Costa Rica e no México. Avaliamos as telas com diferentes intensidades de sombreamento e comparamos com o saco de papel pardo e com a testemunha sem cobertura”, informa Pádua. Com base nos resultados obtidos em dois ciclos, o estudo recomenda a tela de sombreamento de 50% para controle da queima solar de frutos do Pérola. Foto: Tullio Pádua (Telas de sombreamento) |
Fonte: Embrapa Mandioca e Fruticultura.