O Instituto Agronômico (IAC) completou 133 anos no último sábado, 27 de junho de 2020. A comemoração a distância ocorre no mesmo momento em que o Instituto, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, alcançou um resultado científico inédito na pesquisa com citros, uma das mais importantes culturas do Estado.
O IAC acaba de desenvolver tecnologia que permite reduzir o tempo de pesquisa para obter uma planta de laranja doce resistente à Xylella fastidiosa, bactéria causadora da clorose variegada de citros (CVC). Esta doença, também conhecida como amarelinho, ataca todas as variedades comerciais de citros, reduzindo drasticamente a produção. O grupo do Centro de Citricultura do IAC identificou um gene promissor, presente na tangerina, que normalmente é resistente a essa doença. Este gene poderá ser usado não só em plantas de laranjas doces, como também em outras culturas afetadas pela X. fastidiosa, atualmente um desafio para o cultivo de oliveira em todo o mundo.
“Agora temos uma planta de laranja com gene de tangerina, que confere resistência à doença CVC”, comemora Alessandra Alves de Souza, pesquisadora do Centro de Citricultura do IAC. Esta é a primeira vez que um gene de tangerina é transferido para a laranja por meio de técnicas de engenharia genética, sendo identificado seu potencial em conferir resistência a uma doença.
Também em condições controladas, atualmente a equipe realiza testes para avaliar a resistência ao HLB, principal desafio da citricultura mundial. Esse mesmo conhecimento poderá ser adotado futuramente em estudos com oliveiras e ameixeiras, igualmente vítimas da X. fastidiosa.
Durante o estudo, iniciado em 2017, os pesquisadores estudaram um gene de tangerina que tem função importante no reconhecimento do patógeno. Este gene, ao ser transferido por meio de engenharia genética para laranja doce, ativa todo o sistema de defesa da planta. “O gene ativa a resposta de imunidade da planta fazendo com que esta reconheça a bactéria e então acione uma resposta de defesa, que é capaz de conter o patógeno; esse conhecimento científico para resistência à X. fastidiosa é inovador”, comenta a pesquisadora do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
Sobre esse feito, o diretor-geral do IAC, Marcos Antônio Machado, comenta que o caminho que leva à agricultura do futuro passa pela pesquisa de qualidade, pela transferência de tecnologia e pela inovação. “Na citricultura paulista, dos 465 mil hectares de pomares, 395 mil hectares são de laranja, onde são produzidas 350 milhões de caixas da fruta; é para esse mercado que estamos entregando mais um resultado inédito da ciência paulista que fará a diferença nesse importante segmento do agro nacional”, diz Machado.
Além de reduzir o prazo de pesquisa, que antes era de três anos, para menos de 12 meses, esse conhecimento permite também entender a função do gene estudado, isto é, para que ele serve na planta, que qualidades atribui à cultura.
O grupo das laranja doce é formado pelas laranjas comercialmente conhecida como Pêra, Valência, Natal, Bahia entre outras, usada para suco assim como para consumo in natura como fruta fresca. “Sendo uma commodity, a quase totalidade do suco de laranja produzido é exportado, colocando o Brasil, e principalmente o estado de São Paulo, como um líder mundial neste seguimento”, ressalta o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Gustavo Junqueira.
A pesquisadora explica que esses cruzamentos entre tangerinas e laranjas ocorrem espontaneamente na natureza. Porém, além do tempo necessário para seleção das plantas originadas do cruzamento, as características agronômicas destas nem sempre são as desejadas. “Na natureza, pode ocorrer de o fruto não ter mais a característica da laranja, às vezes torna-se mais próximo da tangerina ou então acaba ficando uma mistura dos dois frutos, o que muitas vezes não é atrativo ao mercado”, completa.
O que a equipe fez foi adotar a biotecnologia para acelerar algo que poderia ocorrer naturalmente. “No processo desenvolvido no IAC, colocamos um gene único de tangerina numa planta de laranja, sem alterar as características desejáveis desta”, descreve a líder do projeto.
O próximo passo da pesquisa será elaborar um portfólio de genes originários de tangerina e de outros citros ou afins. “Geramos um conhecimento científico e tecnológico inovador a partir da genômica, então temos uma nova descoberta de genes promissores, que poderá ser usada no futuro”, resume. Por não se tratar de transgenia, técnica que consiste na inserção de gene de espécie diferente daquela que o recebe, a pesquisadora acredita que, ao se obter uma nova cultivar de laranja a partir desse conhecimento, o produto não sofrerá resistência por parte dos consumidores.
Como foi o estudo
Os sintomas de CVC, após infecções artificiais de X. fastidiosa em plantas de laranja doce, podem demorar meses para se manifestar e, em alguns casos, é possível que nem ocorram. Além dessa possibilidade, as manipulações genéticas em plantas de citros demandam tempo. Para superar esses entraves, os pesquisadores adotam a planta de Arabidopsis, gênero que pertence à mesma família da couve e é mundialmente usada como planta modelo para acelerar estudos de genética, fisiologia e bioquímica de plantas. Em resumo: ao invés de testar a função do gene diretamente em citros, que demoraria anos para chegar aos resultados, a equipe primeiramente introduziu o gene selecionado nessa planta modelo, obtendo resposta num prazo inferior a 12 meses.
“Para esse trabalho validamos o potencial e a função do gene na planta modelo de Arabidopsis e só depois o colocamos na planta de laranja; também fizemos uma série de análises para ter certeza que o gene não iria interferir em nada que pudesse prejudicá-la”, explica a pesquisadora.
Convictos do potencial de resistência conferida pelo gene avaliado, a equipe o introduziu na laranja doce. “Com essa técnica, otimizamos tempo e recursos porque conhecíamos, previamente, o resultado de resistência que estávamos buscando, que veio com menos de oito meses de estudos em Arabidopsis”, diz. Caso este teste fosse feito diretamente em citros, seriam necessários cerca de três a cinco anos para se chegar ao resultado, que ainda poderia não ser o esperado.
“É possível conseguir essas plantas por melhoramento genético clássico, porém exigiriam anos de seleção, além de levar outros genes durante o cruzamento genético que modificam as características do fruto”, comenta.
A pesquisa contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os trabalhos resultantes foram publicados nas revistas internacionais Phytopathology e Molecular Plant Microbe Interaction.
O estudo faz parte da tese do aluno de doutorado Willian E. L. Pereira, orientado da pesquisadora do IAC, que permaneceu um ano na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, para treinamento da tecnologia do uso da planta Arabidopsis para estudos da função de genes de defesa contra patógenos. A permanência do aluno no exterior foi custeada pelo programa Ciência sem Fronteiras, do CNPq.
133 anos de presença do IAC: do café da manhã ao jantar dos brasileiros
O Instituto Agronômico celebra seus 133 anos com a certeza de estar presente no cotidiano de todo brasileiro. Dê uma olhada ao seu redor e verá que tem um resultado de pesquisa do IAC. O cafezinho, o suco, o açúcar, o pão, o bolo e as frutas que possam estar no despertar do dia vieram do campo. No almoço, arroz, feijão, óleo, hortaliças e ervas que temperam as receitas também têm origem nas lavouras. E o mesmo se repete no jantar e nos lanchinhos. Vêm do campo também o leite, a manteiga, o queijo e a carne, lembrando que os animais que originam a matéria-prima desses produtos são alimentados à base de milho, soja e forrageiras. E no chocolate tem o cacau! Nas roupas, o algodão. No carro, o etanol e nos pneus, a borracha das seringueiras. Os produtos agrícolas estão nas matérias-primas de muitos produtos indispensáveis no cotidiano.
Em todos esses momentos estão presentes tecnologias geradas pelo Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, que desde 1887 mantém atuação ininterrupta. Sediado em Campinas, o IAC gera tecnologias que dão suporte às agriculturas paulista e brasileira.
“Comemoramos os 133 anos desse Instituto, que em mais de um século traz benefícios à agricultura brasileira, que serviu e serve de modelo para o funcionamento da pesquisa agrícola em todo o Brasil”, diz Marcos Antônio Machado, diretor-geral do IAC.
Dentre os resultados estão 1.103 cultivares de 100 espécies, além de pacotes tecnológicos que envolvem desde o plantio à pós-colheita, incluindo estudos de solo, clima, praga, doenças e segurança e eficiência no controle químico.
A ciência agronômica gera tecnologias que contribuem para elevar a produtividade das lavouras e a qualidade dos produtos, com redução de custo de produção e de impacto ambiental. A cada novo resultado do IAC o setor agrícola passa a contar com tecnologias que atendem de forma mais completa às necessidades da agroindústria e às exigências dos consumidores. “O IAC desempenha um papel extremamente relevante para a agricultura brasileira e é um patrimônio paulista e nacional”, diz Machado.
O Instituto é referência em melhoramento genético convencional de plantas agrícolas, ao mesmo tempo em que participa de programas de pesquisa de genoma, transgenia e cisgenia, em parceria com redes nacionais e internacionais.