
Avaliação em campo – melhoramento da uva de mesa da Embrapa Semiárido
Há duas décadas, a Embrapa Semiárido (Petrolina-PE) desenvolve pesquisas de melhoramento genético de uvas de mesa voltadas à produção nas condições do Semiárido brasileiro, especialmente na região do Vale do São Francisco, principal polo produtor e exportador da fruta no país. O objetivo é obter variedades nacionais de uvas de mesa sem sementes, com sabor diferenciado, alto potencial comercial e adaptadas ao clima local, fortalecendo a competitividade da viticultura brasileira.
Os trabalhos da Unidade integram o Programa de Melhoramento Genético de Uva da Embrapa, uma rede nacional de pesquisa coordenada pela Embrapa Uva e Vinho, com atuação da Embrapa Semiárido e parceria de diversas instituições. Dessa cooperação já nasceram variedades amplamente cultivadas e reconhecidas pelo setor, como BRS Vitória, BRS Núbia, BRS Ísis, BRS Melodia, BRS Tainá e, mais recentemente, a BRS 54 Lumiar.
Mas chegar a uma nova variedade é um processo longo e complexo. Na área de seleções avançadas da Embrapa Semiárido, a pesquisadora Patrícia de Souza Leão e sua equipe avaliam dezenas de genótipos resultantes de cruzamentos realizados ao longo de mais de 20 anos, em busca de materiais com melhor desempenho agronômico, resistência a doenças e aceitação pelo mercado.
Segundo a pesquisadora, o melhoramento genético da uva exige precisão e paciência. O processo começa no Banco Ativo de Germoplasma de uva (BAG) da Embrapa Semiárido, que reúne uma ampla diversidade genética da cultura. Atualmente este Bag conta com 281 acessos. A partir dele, os pesquisadores selecionam as plantas “pais” e “mães” para os cruzamentos.
“Selecionamos os genitores com base em anos de estudos e realizamos cruzamentos manuais, em cada botão floral”, explica Patrícia. “A flor da uva é minúscula e hermafrodita. Retiramos manualmente a parte masculina, deixando apenas o gineceu, que é a parte feminina. É um trabalho de muita paciência, e exige capacitação para ser executado corretamente, pois cada botão é aberto com uma pinça, um por um, para fazer a emasculação e posterior polinização manual”.
As bagas resultantes desses cruzamentos são levadas ao laboratório, onde ocorre o resgate do embrião. Como as uvas sem sementes abortam naturalmente, o desenvolvimento embrionário ocorre dentro de tubos de ensaio em um meio de cultura que contém todos os nutrientes e hormônios necessários. Os pesquisadores precisam abrir as pequenas bagas antes, retirando as sementes e cultivando os embriões neste meio artificial.
“Às vezes abrimos as bagas e não há semente. Outras vezes, o embrião não se desenvolve. Cada etapa é um desafio”, relata Patrícia. “Mas, quando conseguimos resgatar e germinar o embrião, nasce uma nova plântula, que pode ser uma potencial nova variedade”.
O desafio da uva sem semente
Para o consumidor, a ausência de sementes é sinônimo de praticidade, mas para o pesquisador, esse é um outro desafio. Isso porque a característica “sem semente” é recessiva, ou seja, aparece em proporções pequenas nas gerações de cruzamentos. “Precisamos de famílias grandes para encontrar os indivíduos com a combinação ideal de genes”, explica
Avanços no campo e parcerias com produtores
Mesmo quando o embrião se desenvolve, o caminho até o campo ainda é longo. A muda precisa ser aclimatizada, plantada e observada por várias safras antes de ser selecionada como uma possível candidata a ser uma nova variedade.
Primeiro, elas passam pelo campo de progênies, onde são avaliadas por no mínimo quatro safras. As mais promissoras seguem para o campo de seleções avançadas, onde são analisadas características como produtividade, tamanho do cacho e da baga, cor, sabor, firmeza da polpa e ausência de sementes.
Atualmente, a pesquisadora está realizando a avaliação da quarta safra de uma área de seleções avançadas implantada no Campo Experimental de Bebedouro, em Petrolina (PE), que representa a segunda geração de seleções do programa de melhoramento genético da Unidade. “A primeira área foi implantada no Campo Experimental de Mandacaru, em Juazeiro (BA), onde nasceu a BRS Tainá”, explica Patrícia.
Os trabalhos atuais da Embrapa Semiárido têm se concentrado em uvas vermelhas e pretas, menos exploradas nos programas de melhoramento e com potencial de diferenciação no mercado. “Enquanto o mercado internacional é dominado por variedades brancas patenteadas, temos boas opções de materiais coloridos, e o mercado de uvas vermelhas ainda é limitado”, destaca Patrícia.
Os exemplares de melhor desempenho seguem para a validação em áreas semicomerciais, em parceria com produtores do Vale do São Francisco.
“Na safra passada, convidamos alguns produtores para conhecer os materiais. Três deles já plantaram cerca de 30 a 40 plantas com nossas uvas, e buscamos mais três parceiros para completar o grupo de validadores. O objetivo é avaliar o desempenho dessas uvas em condições reais de cultivo”.
Além dos avanços genéticos, a equipe da Embrapa Semiárido tem investido em manejos mais sustentáveis, substituindo fungicidas químicos por alternativas mais econômicas e naturais como por exemplo o enxofre, que é permitido inclusive na produção orgânica. “Isso reduziu custos e melhorou tanto a sanidade quanto o equilíbrio nutricional das plantas”, destaca a pesquisadora.
Patrícia finaliza lembrando que, cada nova variedade é resultado de dezenas de cruzamentos e pelo menos 12 anos de pesquisas. “É um trabalho de tentativa, erro e acerto. E a pesquisa é isso, centenas de testes para que pelo menos uma dessas seleções avance e se torne uma variedade brasileira de sucesso”.
FONTE: EMBRAPA